domingo, 13 de abril de 2014

Crime de Bagatela?

Acompanhando algumas notícias do Poder Judiciário, me deparei com uma bastante peculiar: ''O caso do ladrão de galinhas que chegou ao STF''. Parei o que estava fazendo e fui ler. O fato ocorreu no Estado de Minas Gerais quando um galo e uma galinha foram subtraídas de um galinheiro. O valor somado dos animais atinge a casa dos quarenta reais e, pra finalizar a história, foram devolvidos pelo acusado. A Defensoria pública do referido Estado ingressou com pedido de extinção do processo, uma vez que princípio da insignificância havia se mostrado plenamente aplicável.

Por que citei o valor dos bens subtraídos e enfatizei que foram devolvidos? Simples: No Direito pátrio existe o instituto do crime de bagatela, mais conhecido por princípio da insignificância. Conforme explica o glossário do próprio Supremo Tribunal Federal, atual residência do processo, podemos entendê-lo como:

''o princípio da insignificância tem o sentido de excluir ou de afastar a própria tipicidade penal, ou seja, não considera o ato praticado como um crime, por isso, sua aplicação resulta na absolvição do réu e não apenas na diminuição e substituição da pena ou não sua não aplicação. Para ser utilizado, faz-se necessária a presença de certos requisitos, tais como: (a) a mínima ofensividade da conduta do agente, (b) a nenhuma periculosidade social da ação, (c) o reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento e (d) a inexpressividade da lesão jurídica provocada (exemplo: o furto de algo de baixo valor). Sua aplicação decorre no sentido de que o direito penal não se deve ocupar de condutas que produzam resultado cujo desvalor - por não importar em lesão significativa a bens jurídicos relevantes - não represente, por isso mesmo, prejuízo importante, seja ao titular do bem jurídico tutelado, seja à integridade da própria ordem social.''

Com base nas palavras citadas acima, podemos entender que quando a conduta se mostra minimamente ofensiva (furtar uma galinha e um galo do galinheiro), quando o ato não representa periculosidade social (furtar uma galinha e um galo do galinheiro e devolvê-los), quando há reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento (furtar uma galinha e uma galo de um galinheiro e devolvê-los) e quando há a inexpressividade da lesão jurídica provocada, por exemplo, o baixo valor de um bem furtado (Quarenta Reais), aplica-se o princípio da insignificância. 

Cabe ressaltar que nas palavras do próprio STF ''Sua aplicação (princípio da insignificância) decorre no sentido de que o direito penal não se deve ocupar de condutas que produzam resultado cujo desvalor - por não importar em lesão significativa a bens jurídicos relevantes - não represente, por isso mesmo, prejuízo importante, seja ao titular do bem jurídico tutelado, seja à integridade da própria ordem social.'',. Ora, se o referido processo já caminhou por todas as instâncias do Poder Judiciário e não houve a aplicação do princípio em tela, fica a pergunta: O que seria o tal crime de bagatela? No ordenamento jurídico pátrio, encontramos decisões onde se aplicou o princípio da insignificância em montantes bem mais expressivos, conforme a ementa abaixo:

“EMENTA: HABEAS CORPUS. CRIME DE DESCAMINHO (ART. 334 DO CP). TIPICIDADE. INSIGNIFICÂNCIA PENAL DA CONDUTA. TRIBUTO DEVIDO QUE NÃO ULTRAPASSA A SOMA DE R$ 3.067,93 (TRÊS MIL, SESSENTA E SETE REAIS E NOVENTA E TRÊS CENTAVOS). ATIPICIDADE MATERIAL DA CONDUTA. ORDEM CONCEDIDA. 1. O postulado da insignificância opera como vetor interpretativo do tipo penal, que tem o objetivo de excluir da abrangência do Direito Criminal condutas provocadoras de ínfima lesão ao bem jurídico por ele tutelado. Tal forma de interpretação assume contornos de uma válida medida de política criminal, visando, para além de uma desnecessária carceirização, ao descongestionamento de uma Justiça Penal que deve se ocupar apenas das infrações tão lesivas a bens jurídicos dessa ou daquela pessoa quanto aos interesses societários em geral. 2. No caso, a relevância penal é de ser investigada a partir das coordenadas traçadas pela Lei 10.522/02 (objeto de conversão da Medida Provisória 2.176-79). Lei que determina o arquivamento das execuções fiscais cujo valor consolidado for igual ou inferior a R$ 10.000,00 (dez mil reais). Sendo certo que os autos de execução serão reativados somente quando os valores dos débitos inscritos como Dívida Ativa da União pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional ultrapassarem esse valor. (...)5. Não há sentido lógico permitir que alguém seja processado, criminalmente, pela falta de recolhimento de um tributo que nem sequer se tem a certeza de que será cobrado no âmbito administrativo-tributário do Estado. Estado julgador que só é de lançar mão do direito penal para a tutela de bens jurídicos de cuja relevância não se tenha dúvida.''

Com base nas informações acima, é inegável que o princípio da insignificância se aplica ao caso do furto das galinhas (devolvidas). Não há utilidade alguma para o ordenamento jurídico que tal feito permaneça passeando de gabinete em gabinete, de instância em instância, sem solução. Há, sem dúvidas, crimes mais complexos e urgentes esperando anos para serem julgados e, ao menos na humilde interpretação deste que vos escreve, tal princípio foi criado justamente para retirar da já morosa e atribulada justiça brasileira, fatos de pequena relevância e que não apresentem risco para a sociedade. Portanto, espera-se pela aplicação do referido princípio, a fim de tornar mais célere e mais justa nossa justiça.

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