quarta-feira, 5 de novembro de 2014

Eleições 2014: Do fortalecimento da democracia à intervenção Militar.

O ano de 2014 ficará marcado por uma das eleições mais disputadas da história do Brasil. Há tempos não se via um país tão dividido e tão engajado politicamente. Na era das redes sociais, encontramos pessoas cheias de vontade de expressar suas opiniões e com ânimos exaltados.

Toda esse apelo emocional demonstrado por uma parcela do eleitorado nos mostra que o vão entre o brasileiro e conhecimento da sua própria história ainda é muito grande. Ao ver que ainda existe uma pequena parcela da população clamando por uma intervenção militar a fim de destituir a presidência democraticamente eleita percebemos que há falta de informação rondando pelas redes sociais.

Primeiramente se faz necessário destacar que a conjuntura mundial nos anos 60 era outra, nada parecida com a que temos hoje. Os Estados Unidos tinham como projeto principal a busca de sua hegemonia mundial, Cuba e Fidel Castro ocuparam assentos de destaque no cenário internacional nos anos de 1961 e 1962, no contexto da Guerra Fria, a União Soviética representava uma pedra no sapato americano e luta contra o crescimento da comunismo na América Latina era um ponto-chave da Política Externa de JFK.

Portanto, naquele momento era interessante para os Estados Unidos investirem em golpes em qualquer governo que se aproximasse dos ideais comunistas. A ''Aliança para o Progresso'', criado por John Kennedy, acabou se tornando um projeto de alinhamento ideológico à direita naquele período. No contexto brasileiro, os Estados Unidos acompanharam de perto a conspiração e o desenrolar dos acontecimentos por meio de seu embaixador no Brasil, Lincoln Gordon, e do adido militar, Vernon Walters, e decidiram, através da secreta "Operação Brother Sam", dar apoio logístico aos militares golpistas, caso estes enfrentassem uma longa resistência por parte de forças leais a Jango.¹

Em um segundo momento, se faz necessário compreender que não há a menor possibilidade de haver intervenção militar para destituir a Presidente democraticamente eleita sem haver um golpe de Estado. O artigo 142 da Constituição Federal de 1988 deixa bem claro que as Forças Armadas estão sob o comando supremo do Presidente da República, o que nos faz compreender que todo e qualquer ato militar deve ser previamente autorizado pelo chefe do Executivo. Portanto, qualquer intervenção sem sua anuência, configuraria golpe.

A própria Constituição Federal de 1946, vigente à época do golpe militar de 64 dispunha que era atribuição do Presidente da República exercer o comando supremo das forças armadas, administrando-as por intermédio dos órgãos competentes, bem como decretar a mobilização total ou parcial das forças armadas.²

Portanto, podemos concluir que o mundo está completamente diferente daquele encontrado nas décadas de 50 e 60; Não há como esperar que os Estados Unidos tomem as mesmas atitudes tomadas naquele período, o que injustifica totalmente a petição feita à Casa Branca para intervir na ''crescente presença comunista no Brasil''; E não existe a menor possibilidade de intervenção militar em uma ordem democrática sem que a Presidente da República assim determine.

Por fim, é impossível não reconhecer que todas as manifestações, seja as da direita, seja as da esquerda, mostram que o Brasil está vivendo em regime democrático por excelência. Pelo menos na atual conjuntura este que vos escreve não vislumbra qualquer possibilidade iminente do Brasil se transformar em uma Cuba ou Coréia do Norte. A presidência cometeu faltas graves na hora de definir as prioridades de suas políticas públicas, principalmente ao deixar a economia de lado. Espero, sinceramente, que ao longo dos próximos quatro anos possamos ver o Brasil se tornar um país mais robusto economicamente, mais justo e com cada vez mais espaço para o debate político.

Referências:

¹ CASTRO, Celso. O golpe de 1964 e a instauraçao do regime militar. CPDOC/FGV;

² BRASIL. Constituição (1946). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal.

quinta-feira, 25 de setembro de 2014

Liberdades e o Estado. Há limites?

Falar de liberdade não é uma tarefa simples, principalmente nos dias de hoje em que as redes sociais possibilita dizer o que se bem entende. Muitas vezes lemos comentários como ''a página é minha, eu falo o que quiser''. O grande problema reside neste ponto: A Constituição Federal garante aos cidadãos diversas liberdades, tais como a liberdade de locomoção, liberdade religiosa, liberdade de expressão e outras. Ocorre que as liberdades não são infinitas. Sempre que uma liberdade ultrapassar os limites de outro direito, esta se tornará passível de punição. Para ilustrar esta afirmação, o autor Paulo Gustavo Gonet Branco lecionou que: ''A proibição da censura não obsta, porém, a que o indivíduo assuma as consequências, não só cíveis, como igualmente penais, do que expressou. A liberdade em estudo congloba não apenas o direito de se exprimir, como também o de não se expressar, de se calar e de não se informar.''¹ Em outro momento, o mesmo autor complementa dizendo: ''Assim, o comportamento não protegido pela liberdade de expressão, que viola o direito fundamental de outrem, pode vir a motivar uma pretensão de reparação civil ou mesmo ensejar uma reprimenda criminal''². Logo, a liberdade de expressão pode, sim, ser limitada sempre que ferir outro direito, outra liberdade.

Em outra análise, conforme discutido na postagem anterior, a liberdade religiosa foi garantida pelo Estado brasileiro ao optar por não ter uma religião oficial. Porém, vemos diariamente a interferência da religião nas liberdades civis. Como foi dito no texto passado, não há como proibir a participação das Igrejas no sistema político brasileiro. Suprimir esse direito seria atentar contra diversas liberdades, o que seria um contrassenso absurdo. Porém, não há como aceitar, na mesma toada, que entidades religiosas suprimam liberdades do cidadão. E explico: 

Recentemente descobri que existe um projeto de lei que cria o Estatuto da Família. Lá, haverá uma definição de família como núcleo formado a partir da união entre homem e mulher. Eu me pergunto qual é o interesse do Estado de definir o que é ou não família? Trata-se de projeto de cunho conservador, com forte apelo religioso envolvido. Não é possível, nos dias de hoje, querer limitar o Estado pautado em dogmas ou preceitos religiosos. O ser humano precisa ser livre para viver da forma que melhor lhe convier, sem interferências em sua escolha e com a proteção do Estado em casos de atentados contra a liberdade. Diante disto, não há como tolerar que ainda hoje se discuta se é correto ou não que pessoas do mesmo sexo casem, que as pessoas usem ou não drogas ou até mesmo que exista um modelo familiar tutelado pelo Estado. Pra mim soa um absurdo que esses assuntos estejam na pauta do legislativo.

O Estado tem o dever de proteger os cidadãos em seus direitos civis sem querer definir padrões de sociedade. O Estado precisa querer buscar um país com igualdade de direitos e obrigações, e garantir qualidade de vida ao povo. Não é possível mais, em pleno século XXI, querer que o Estado interfira em todas os aspectos da vida do ser humano. O que precisamos é um sistema que permita, cada vez mais, que as pessoas sejam livres para viver da forma que bem entendam e que tenhamos um Estado que garanta educação e saúde qualidade, segurança aos cidadãos, bem como uma economia sólida que faça com que seus cidadãos vivam bem. Enquanto as prioridades dos políticos se concentrarem no que não importa, de fato, teremos um país atrasado e cada vez menos livre e justo.

Referências

1. MENDES, Gilmar Ferreira: Curso de Direito Constitucional / Gilmar Ferreira Mendes, Paulo Gustavo Gonet Branco;
2. [IDEM].





domingo, 7 de setembro de 2014

O Estado e a Religião.

Desde a última publicação feita neste espaço, muita coisa interessante aconteceu. No universo político brasileiro, eventos pouco usuais mexeram nos gráficos eleitorais transformando toda certeza numérica em grandiosas incertezas. Com a morte do candidato Eduardo Campos (PSB), sua vice, Marina Silva, assumiu a cabeça da chapa com um discurso de nova política que com o passar dos dias, gerou desconfiança em muitos analistas políticos.

Atrelado à retórica de nova política e de toda desconfiança nela contida, a crença religiosa da candidata passou a ser alvo de críticas nas redes sociais, principalmente após a divulgação de uma falha no plano de governo, especificamente no que dizia respeito ao casamento de pessoas do mesmo sexo. Sabe-se que os lados mais conservadores da política - inclui-se a Igreja de que Marina Silva faz parte - não concordam com a legalização do casamento homossexual. A partir das declarações prestadas pela candidata alterando o plano de governo, deu-se início diversas de manifestações na internet pedindo pela defesa do Estado Laico.

Fica aqui a pergunta: É o Brasil um estado laico?

De acordo com o último censo, os católicos representam mais da metade da população brasileira. Esse alto índice de católicos no Brasil possui explicação histórica. A América Latina é uma região majoritariamente católica em detrimento de sua colonização dividida entre Portugal e Espanha. Um exemplo desse fato está contido na Constituição brasileira de 1824, período do Império, onde a religião Católica era considerada como oficial. Estados como os da Argentina e Bolívia ainda têm o catolicismo como religião oficial.

Porém, a atual constituição o Brasil não reconhece nenhuma religião como oficial e garante liberdade de crença e de consciência, protegendo, inclusive, os locais de culto e suas liturgias. O que nos faz entender que o Estado, apesar de não possuir religião oficial, não é ateu. Ao garantir a liberdade de consciência, de crença religiosa e convicção filosófica, a Constituição possibilitou que o cidadão escolhesse entre crer ou não. Diante disso, a resposta para a pergunta acima é SIM, o Brasil é um Estado laico e somente diante de um processo democrático de escolha da maioria tal condição mudará.

Sabe-se que os interesses de todas as religiões interferem, mesmo que de forma indireta, no processo político e na formulação de políticas públicas. O simples argumento de que um candidato escancara suas preferências religiosas não faz dele mais ou menos capacitado. A preocupação dos brasileiros deve ser até onde queremos um país mais justo e mais igual? Até onde a interferência de líderes religiosos pode afetar o acesso aos direitos fundamentais para todos, sem discriminação? Estando tão próximos das eleições, preocupar-se com religião deveria ser o menos importante. Precisamos nos preocupar com é o melhor para o desenvolvimento econômico, social, político e jurídico do país.

Sim, temos um Estado laico. O que precisamos, efetivamente, é de um Estado mais justo, mais igual e de um sistema político mais eficaz. Estado e religião sempre andaram juntos, dificilmente haverá um rompimento total entre os dois. O foco das demandas sociais deve ser o da construção de um Brasil melhor, sem intolerância religiosa.

sábado, 26 de julho de 2014

Brasil: O país onde criminalizar condutas é melhor do que educar.

Temas espinhosos como a redução da maioridade penal ou a nova lei ''da palmada'' têm sido alvo de intensos debates na mídia e nas redes sociais. Minha proposta não é de adentrar nesses terrenos já muito batidos e pouco frutíferos, mas sim, fazer uma pequena constatação acerca da falta de prioridade do discurso brasileiro em relação à (falta) da educação. Como sempre, no Brasil, as prioridades são invertidas. O que é realmente importante é deixado para depois, e o velho ''tapar o sol com a peneira'' soa muito mais relevante para a sociedade.

A visão imediatista do brasileiro se reflete diariamente nessas discussões. Há que se ter em mente que para o país mudar, é preciso que o povo mude antes. De nada adianta cobrar das autoridades mudanças se, no dia a dia, as atitudes das pessoas são idênticas àquelas que elas mesmas criticam. De nada adianta pedir que as pessoas mudem se você não é capaz de se ouvir, de refletir antes de falar. Recentemente vi um debate sobre bullying nas escolas. Fiquei perplexo ao saber que já existem projetos que visam aplicar medidas socioeducativas em adolescentes que praticarem o bullying. Ora, soa pouco razoável aplicar medidas judiciais contra adolescentes. A mim me parece bem  mais simples - e barato para o Estado - cobrar das escolas o desenvolvimento de métodos mais eficazes em que a educação preventiva fosse repassada para esses jovens do que enquadrá-los como menores infratores, certo? Seria, também, muito mais barato para o Estado se os pais fossem instruídos de que cabe a eles a educação básica de seus filhos e que não devem transferir toda a responsabilidade para as escolas, ou para o Estado, ou para a mídia ou para quem quer que seja.

Outro tema já abordado neste blog e que tem ganhado cada dia mais importância na mídia, diz respeito ao uso medicinal da cannabis. A cada dia que passa, os efeitos medicinais dessa substância têm se mostrado mais efetivos. O Brasil, seja por culpa da burocracia ou da excessiva ''moral'', ainda insiste em criminalizar o uso de algo que pode, desde que obedeça certos limites, salvar vidas de muitas pessoas. Mas a consciências criminalizadora das alas mais conservadoras da sociedade contribuem para que muitas pessoas deixem de receber tratamento adequado. Ressalto que acerca da descriminalização das drogas ilícitas, não possuo nenhuma opinião formada, uma vez que os efeitos negativos são, por vezes, destruidores.

Em suma, se faz necessário chamar a sociedade para a reflexão. Não é mais compreensível, nos dias atuais, que pensamentos semelhantes aos do século XIX continuem tomando as discussões diárias. Há que se compreender que o maniqueísmo excessivo contido nos debates encontrados pelas redes sociais, bem como no meio político e na mídia, se configura em um retrocesso com proporções incalculáveis. Há que se deixar de lado a busca constante pelo certo e o errado e procurar o melhor para o progresso social. Sem o uso da reflexão e do pensamento crítico, a criminalização de condutas simplórias continuará nos afastando de enxergar que tais medidas são paliativas e que, no fim das contas, não resolvem o problema. Por mais longo que o caminho da educação possa parecer, não há outra solução. Ou se investe em educação, ou ficaremos estagnados no mesmo lugar. Está em nossas mãos.

quarta-feira, 9 de julho de 2014

E agora, Brasil?

Estatísticas encontradas nas redes sociais são sempre engraçadas. Desde a derrota da seleção, ontem, encontrei muitas críticas sensatas ao Brasil e aos brasileiros, mas a maior parte delas entrava no rol de bizarrices da internet. Uma que me chamou muito a atenção foi a de que o nosso país é o mais corrupto do mundo. Afirmar isso é tentar esquecer que existem outros continentes ou é se aproveitar da falta de informação de muitas pessoas. O relatório anual da Organização Transparência Mundial, uma das mais respeitadas do mundo, apontou que no ano de 2013, o Brasil ficou na 72° colocação entre os países mais corruptos do mundo. No topo da lista foram encontrados países da Ásia e África. Para se ter noção, os três países mais corruptos, foram o Afeganistão, a Coreia do Norte e a Somália.

Qual a conclusão que posso tirar disso tudo? Em primeiro plano, que o Brasil é, de fato, um país muito corrupto. É inegável. Perdemos rios de dinheiro com desvios, mas o nosso país sofre também com má gestão de recursos. A máquina estatal está inchada demais, há gastos excessivos com pessoal, uma prova disso é a indústria que se formou graças aos concursos públicos. Em um país onde se é mais vantajoso prestar concurso público do que empreender, vemos que há algo muito errado. Não critico quem faz concurso justamente por saber que na maioria das vezes, não há outras opções. Cidades como o Rio de Janeiro, em que o custo de vida é estratosférico e os salários na iniciativa privada são baixíssimos, não cogitar tornar-se servidor público é quase insanidade.

Em segunda análise, existe uma indústria cada vez mais forte responsável por produzir desinformação. Boatos surgem de hora em hora nas redes sociais e muitos deles são criados tão somente para alarmar pessoas que, por força de diversos fatores como desinteresse, falta de educação apropriada ou ingenuidade, acabam acreditando e repassando essas informações. Nosso país não irá mudar enquanto a população estiver pronta para isso. Atitudes corruptas estão enraizadas na vida de muitas pessoas e estas sequer notam. Ao entendermos que corrupção pode significar desde suborno até sedução, levar pessoas a acreditarem em informações falsas, fruto de ideologias políticas ou mera traquinagem, ao meu juízo, se perfazem em ato de corrupção.

A falta de senso crítico é tão escancarada que vimos com uma rapidez assustadora o povo brasileiro mudar seus sentimentos para com a copa. Um ano atrás, o ódio era visível. Agora, o amor e o patriotismo ganharam seu espaço. E a indústria da desinformação cumpre seu papel exatamente nessa transição. É realmente necessário abominar a copa por conta da corrupção? É realmente necessário torcer contra o Brasil somente se valendo do argumento de que se é contra a copa? Quem torceu pela seleção brasileira é realmente uma pessoa sem instrução ou alguém que não liga para a política? A resposta é negativa. O Brasil é o país do futebol. Nenhum outro esporte faz tanto sucesso aqui quanto o futebol. Furtar das pessoas o direito de torcer, vibrar, soa quase como um autoritarismo velado. O cerne da questão encontra-se em outro ponto. Encontra-se em como essas pessoas conseguem dividir as coisas. Pensar em política, cobrar das autoridades e querer um país melhor não anulam a paixão e a vontade de torcer pela seleção brasileira.

Razão pela qual, entendo que antes mesmo de ir às ruas, gritar por mudanças e melhorias, a população deve aprender a refletir, aprender a pensar de forma crítica; Indagar-se. O brasileiro precisa aprender, também, a olhar-se no espelho e enxergar que a corrupção está inserida em muitos de nossos atos corriqueiros. Se não mudarmos, cobrar mudança dos outros soa como um contrassenso. Na era digital, onde as informações atingem uma velocidade quase incalculável, quebrar o ritmo da corrente e questionar-se sobre aquilo que se vê ou lê, é o primeiro passo para que nosso povo consiga, enfim, protestar por aquilo que realmente importa

domingo, 15 de junho de 2014

Copa do Mundo 2014: Importância política para a cidade de Manaus.

Em um evento ocorrido neste fim de semana, o Prefeito da cidade de Manaus, Arthur Neto, declarou haver necessidade de um aumento no número de políticas para o desenvolvimento da região. Dados do IBGE apontam para a existência de mais de 1 milhão e 800 mil habitante somente na cidade de Manaus. Com um PIB bastante significativo, a região possui um setor de serviços e uma indústria fortes, sendo estes os principais responsáveis pelo desenvolvimento socioeconômico da região. A relevância da Zona Franca de Manaus é incontestável. Não se pode imaginar um Amazonas rico sem a presença do Polo Industrial, todavia, se faz necessário (re)pensar em como atrair mais investimento para a região, e para o caso deste texto, para a cidade de Manaus.

Com a realização da Copa do Mundo de 2014 em Manaus, começamos a verificar todo o potencial da cidade para recepcionar o público estrangeiro e que é possível, sim, tornar a capital do Amazonas uma cidade mais globalizada do que já é. Ao ler diversos relatos na mídia e nas redes sociais, consegui identificar que, por mais que a cidade ainda esteja muito aquém  do resto do mundo em termos de infraestrutura, os turistas que lá se encontram estão tendo uma excelente impressão. Então, qual é a importância política para a cidade de Manaus que a Copa do Mundo tem?

Por mais otimista que possa parecer, os primeiros dias do evento esportivo em Manaus mostraram que a cidade tem condições reais de se internacionalizar. Isso quer dizer que há grandes chances de ampliar a articulação política da capital amazonense com outras cidades pelo mundo. Com os olhos do mundo voltados para a Manaus, podemos vislumbrar maiores parcerias internacionais, aumentando, desta forma, o fluxo de investimento estrangeiro e a ampliação de mercados que parecem saturados, mas que estão, na verdade, pouco explorados. Recentemente a Prefeitura de Manaus celebrou acordo de cooperação com a companhia aérea portuguesa TAP. Os voos entre Manaus e Lisboa já se iniciaram e já se encontram lotados até meados do segundo semestre de 2014. O Turismo é um ponto fortíssimo de nossa cidade e que deve ser muito mais explorado. Os traços da diplomacia cultural constantes na atuação do Chefe do Executivo Municipal são extremamente importantes, pois comprovam que é possível utilizar a cultura como mecanismo de política, e mais, de conduzir investimentos para o desenvolvimento regional.

Com isso, com um pouco de vontade política e investimentos certos poderemos ver o crescimento de nossa cidade. É inegável que a internacionalização da cidade trará mais consequências positivas do que negativas. Uma cidade global exige maior capacitação da mão de obra, acende o sentimento de urgência nos governantes para a resolução de antigos problemas da cidade como a falta de investimentos em saúde, educação, segurança e infraestrutura. Por mais que a grande maioria dos brasileiros tenha se indignado com a realização da Copa do Mundo no Brasil - e especialmente em Manaus - podemos começar a imaginar que o maior legado deste evento virá com o tempo. Pode não ser a forma mais adequada, mas é importante verificar a existência de um novo ânimo político - mesmo que tímido - para elevar a cidade de Manaus aos patamares globais.




segunda-feira, 9 de junho de 2014

Garantias fundamentais durante as greves.

Nas últimas semanas o Brasil tem acompanhado com temor as ondas de paralisações dos serviços de transporte público. Rio de Janeiro, São Paulo, Manaus e outras capitais do país já sofreram ou continuam a sofrer com o caos oriundo dos movimentos paredistas. A greve é um direito social coletivo que visa a conquista de melhorias salariais ou das condições de trabalho. Está prevista no artigo 9° da Constituição Federal de 1988, conforme veremos abaixo:

''Art. 9°: É assegurado o direito de greve, competindo aos trabalhadores decidir sobre a oportunidade de exercê-lo e sobre os interesses que devam por meio dele defender.''

No entanto, o §1° do mesmo artigo menciona a existência de serviços essenciais, que são aqueles que atendem necessidades inadiáveis da comunidade. Diante disto, a Lei 7783/89 (Lei da Greve) relacionou os serviços essenciais e, em seu inciso V, apresentou os transportes coletivos como sendo indispensáveis:

 ''Art. 10 São considerados serviços ou atividades essenciais:

 V - transporte coletivo;''

Cabe ressaltar, com tudo, que os trabalhadores que exercem atividades essenciais não estão proibidos de realizar greve (VITORINO, Odair Márcio), devendo, no entanto, observar as condicionantes constantes no bojo da lei supracitada:

''Art. 11. Nos serviços ou atividades essenciais, os sindicatos, os empregadores e os trabalhadores ficam obrigados, de comum acordo, a garantir, durante a greve, a prestação dos serviços indispensáveis ao atendimento das necessidades inadiáveis da comunidade.'' [grifei]

A partir do comando legal acima, podemos compreender que, ao se tratar de serviços essenciais, a comunidade não pode ficar desassistida. Mesmo que a lei proíba a demissão de funcionários e a contratação de substitutos durante o movimento paredista, o legislador acentuou algumas exceções, principalmente para proteger à população de maiores prejuízos. O parágrafo único do artigo 9° da lei 7783 assim explica:

''Art. 9º Durante a greve, o sindicato ou a comissão de negociação, mediante acordo com a entidade patronal ou diretamente com o empregador, manterá em atividade equipes de empregados com o propósito de assegurar os serviços cuja paralisação resultem em prejuízo irreparável, pela deterioração irreversível de bens, máquinas e equipamentos, bem como a manutenção daqueles essenciais à retomada das atividades da empresa quando da cessação do movimento.

Parágrafo único. Não havendo acordo, é assegurado ao empregador, enquanto perdurar a greve, o direito de contratar diretamente os serviços necessários a que se refere este artigo.'' [grifei]

Fica cristalina a possibilidade de contratação de pessoal durante o movimento paredista, caso os serviços paralisados sejam considerados essenciais uma vez que é preciso levar em consideração que a balança do direito não pode pender mais para um lado do que para o outro, sendo necessária a aplicação do princípio da razoabilidade, adequando os meios aos fins, buscando evitar a colisão de direitos. Portanto, o caso das greves que está assolando o país deve ser compreendido como lícito, uma vez que a Constituição Federal garante que os trabalhadores lutem por melhores condições de trabalho e salários, mas irregular, uma vez que há total descumprimento da legislação e de decisões judiciais. Por essas razões, o TRT da 2° Região já arbitrou multas de 500 mil reais por dia de descumprimento, autorizou o desconto dos dias parados e decidiu não assegurar a estabilidade dos grevistas.

Por mais que a legislação proteja os grevistas, há que se enxergar os limites do movimento. Conforme mencionado acima, a razoabilidade já foi deixada de lado pelos grevistas há tempos. A situação dos cidadãos já está mais do que comprometida. Está mais do que configurado o abuso do movimento paredista e, conforme leciona o §2° do artigo 9° da carta constitucional:

''§2° Os abusos cometidos sujeitam os responsáveis às penas da lei.''

Razão pela qual, em caso de novo descumprimento da Lei e das decisões judiciais proferidas, não há mais que razões não descontar os dias parados, bem como, em último caso, demitir àqueles que descumprirem com os ditames legais. Por fim, reitero que reconheço a legalidade da greve. Reconheço que os trabalhadores devam lutar por melhores condições e reconheço que os grevistas devem ser protegidos, porém há que se priorizar o princípio da razoabilidade, há que se compreender que o transporte público é serviço essencial para a população e, portanto, há que se respeitar o outro lado. A população não pode mais ser prejudicada. Que as reivindicações por melhores condições de trabalho e salários continuem, mas que os serviço voltem a ser prestados urgentemente, sob pena de vermos a legalidade da greve rolar ladeira abaixo.

Referências:

CALABRICH, Ingo Sá Hage. Ações sobre greve em atividades essenciais. Possibilidade de contratação de empregados para evitar a descontinuidade do serviço público. Inovações trazidas pela Emenda Constitucional nº 45. Jus Navigandi, Teresina, ano 10, n. 780, 22 ago. 2005. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/7182>.

KONCIKOSKI, Marcos Antonio. Princípio da proporcionalidade. Disponível em: <http://www.ambito-juridico.com.br/site/?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=11050&revista_caderno=9>.

LOURO, Henrique da Silva. Os efeitos jurídicos decorrentes da aprovação do “estado de greve''. Disponível em: http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=8239

VITORINO, Odair Márcio. CONSTITUIÇÃO FEDERAL INTERPRETADA. 2ed. - Barueri, SP: Manole, 2011.

BRASIL. LEI Nº 7.783, DE 28 DE JUNHO DE 1989.

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado, 1988.

quinta-feira, 5 de junho de 2014

Educação - avança ou não?

Recentemente, o Jornal ''O Globo'' publicou a seguinte matéria: ''Aluno processa professor por celular retirado em sala de aula e perde''. O caso foi levado à justiça pois, conforme alegações, o aluno ''passou por sentimento de impotência, revolta, além de um enorme desgaste físico e emocional após ter o celular retirado pelo professor''. O Magistrado julgou o pedido improcedente e proferiu a seguinte sentença:

''Julgar procedente esta demanda é desferir uma bofetada na reserva moral e educacional deste país, privilegiando a alienação e a contra educação, as novelas, os ‘realitys shows’, a ostentação, o ‘bullying‘ intelectivo, o ócio improdutivo, enfim, toda a massa intelectivamente improdutiva que vem assolando os lares do país, fazendo às vezes de educadores, ensinando falsos valores e implodindo a educação brasileira.''

Se eu fosse juiz também julgaria improcedente. Não me valeria dos argumentos de moral e bons costumes dele, e sim da falta de cabimento do pedido, uma vez que causas como essas sobrecarregam o Poder Judiciário e podem ser facilmente resolvidas com auxílio multidisciplinar de pedagogos e psicólogos no âmbito escolar. Pais poderiam ser orientados juntamente com as crianças, a fim de se estabelecer um trabalho conjunto entre todos os envolvidos. No entanto, faria crítica severa ao modelo educacional vigente, que remonta meados da década de 80. Ora, o país já percorreu e alcançou avanços significativos em termos de tecnologias. Não há mais condições de manter crianças e jovens sentadas durante horas em uma sala de aula, utilizando métodos arcaicos e pouco produtivos. Os jovens de hoje estão sendo bombardeados de informações - não por culpa de novelas, reality shows ou afins -, por conta dos mesmos avanços tecnológicos mencionados anteriormente. 

O país já deveria ter revisto seu sistema educacional. Essa crítica do nobre magistrado acerca da massa intelectiva improdutiva poderia ser facilmente contornada caso o Estado tornasse o uso da tecnologia em sala de aula uma realidade. O Brasil tem péssimos números quando o assunto é a qualidade do ensino básico. Há, portanto, que se criar um ambiente educacional mais interessante e mais dinâmico, sob pena dos alunos continuarem preferindo utilizar seus celulares, tablets e afins.

Fonte: http://oglobo.globo.com/sociedade/educacao/aluno-processa-professor-por-celular-retirado-em-sala-de-aula-perde-12718573#ixzz33maqFFdl

domingo, 4 de maio de 2014

Saúde no Brasil

Há muito se discute sobre a qualidade dos serviços prestados pelos profissionais da saúde. Seja no âmbito público ou privado, não são raras as vezes em que os pacientes recebem um atendimento de baixa qualidade, contando com o descaso de muitos desses profissionais. Não estou desqualificando a classe médica inteira, pelo contrário. A grande maioria dos profissionais da saúde presta serviços de excelência, prezando pela vida humana. Ocorre que quando você se depara com uma notícia dessas: ''Idoso morre após ter atendimento negado na Unimed'', torna-se impossível não tecer alguns comentários.

O portal ''Pragmatismo Político'', no dia 02 de maio de 2014 publicou matéria cujo título foi mencionado acima. Nela, pôde-se entender que um idoso, ao sofrer um infarto na calçada de um shopping, teve atendimento negado por três médicos plantonistas de uma unidade da Unimed localizada dentro de um shopping.  De acordo com relato de testemunhas, o auxílio dos profissionais foi solicitado por populares, porém, sem sucesso. Consta ainda do relato das testemunhas que houve total omissão por parte dos médicos que não estavam em atendimento.

O código de ética médica é bem claro, não deixando margem para interpretações dúbias: ''Art. 33. Deixar de atender paciente que procure seus cuidados profissionais em casos de urgência ou emergência, quando não haja outro médico ou serviço médico em condições de fazê-lo.'' O Código Penal Brasileiro ainda explicita em seu artigo 135 que a omitir-se de socorrer alguém é crime. Verbis: Art. 135 -  ''Deixar de prestar assistência, quando possível fazê-lo sem risco pessoal, à criança abandonada ou extraviada, ou à pessoa inválida ou ferida, ao desamparo ou em grave e iminente perigo; ou não pedir, nesses casos, o socorro da autoridade pública:'' [Grifei]. 

Pelo exposto acima se faz necessário refletir sobre o princípio constitucional da dignidade da pessoa humana. Não se pode tratar pessoas, vidas humanas como objetos, como bens sem valor relevante. Kant já lecionou em seu livro "Fundamentação da Metafísica dos Costumes": "No reino dos fins, tudo tem ou um preço ou uma dignidade. Quando uma coisa tem preço, pode ser substituída por algo equivalente; por outro lado, a coisa que se acha acima de todo preço, e por isso não admite qualquer equivalência, compreende uma dignidade.'' Logo, pessoas não são coisas, pessoas têm valor, a vida humana tem valor inestimável e não pode ser tratada como um negócio, nem pelo Estado - que já é omisso na maior parte do tempo -, nem pelo setor privado, que, por mais que vise o lucro, não deve se sobrepor ao que determina os princípios constitucionais básicos de proteção à dignidade da pessoa humana.

Link para a matéria do Pragmatismo Político: http://www.pragmatismopolitico.com.br/2014/05/idoso-morre-apos-ter-atendimento-negado-na-unimed.html

Referências:

KANT, Immanuel. Fundamentação da Metafísica dos Costumes e Outros Escritos. Trad. Leopoldo Holzbach. São Paulo: Martin Claret, 2004, p. 58.

BRASIL. Constituição Federal, 1988.

BRASIL. DECRETO-LEI No 2.848, DE 7 DE DEZEMBRO DE 1940.

Resolução CFM 1931/2009 (Código de Ética Médica).




segunda-feira, 28 de abril de 2014

Greves nas polícias militares. Verificando sua legalidade.

Muito se tem debatido sobre a legalidade dos movimentos paredistas ocorridos no âmbito da segurança pública. Recentemente, a PM da Bahia paralisou suas atividades a fim de angariar elevações no soldo. Durante os três dias de paralisações (entre a terça-feira e a quinta-feira), foram registrados 59 homicídios, 156 carros roubados e 06 furtados. No domingo (27/04/2014), iniciou-se uma movimentação para a paralisação das atividades na PM de Manaus, todavia, ainda não há uma greve de fato. Diante dos dois exemplos citados, se faz necessário fazer uma rápida análise acerca dos preceitos constitucionais sobre a greve, mais especificamente sobre a greve das forças de segurança pública.

Em um artigo escrito para a revista jurídica Consulex, o ex-Ministro do Supremo Tribunal Federal, Carlos Velloso, bem disse:

''homens que portam armas, responsáveis pela preservação da 
ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio (art. 
144, CF), não podem fazer greve.
(…)
É que, homens que portam armas, se não estiverem submetidos à 
disciplina e à hierarquia, viram bandos armados. As armas a eles 
confiadas, para a manutenção da ordem pública e da incolumidade das 
pessoas, passam a ser fonte de insegurança”

No mesmo sentido, o Min. Eros Grau, na relatoria da Rcl 6.568/SP, assentou:

''(...)
3. Doutrina do duplo efeito, segundo Tomás de Aquino, na 
Suma Teológica (II Seção da II Parte, Questão 64, Artigo 7). Não há 
dúvida quanto a serem, os servidores públicos, titulares do direito de 
greve. Porém, tal e qual é lícito matar a outrem em vista do bem 
comum, não será ilícita a recusa do direito de greve a tais e quais 
servidores públicos em benefício do bem comum. Não há mesmo 
dúvida quanto a serem eles titulares do direito de greve. A 
Constituição é, contudo, uma totalidade. Não um conjunto de 
enunciados que se possa ler palavra por palavra, em experiência de 
leitura bem comportada ou esteticamente ordenada. Dela são 
extraídos, pelo intérprete, sentidos normativos, outras coisas que não 
somente textos. A força normativa da Constituição é desprendida da 
totalidade, totalidade normativa, que a Constituição é.
(...)
Atividades das quais 
dependam a manutenção da ordem pública e a segurança 
pública, a administração da Justiça --- onde as carreiras de 
Estado, cujos membros exercem atividades indelegáveis, 
inclusive as de exação tributária --- e a saúde pública não 
estão inseridos no elenco dos servidores alcançados por esse 
direito. Serviços públicos desenvolvidos por grupos armados: 
as atividades desenvolvidas pela polícia civil são análogas, 
para esse efeito, às dos militares, em relação aos quais a 
Constituição expressamente proíbe a greve [art. 142, § 3º, IV]”


Bem disse, ainda, o Ministro Ricardo Lewandowski, no HC 122.148:


''
Ora, se a jurisprudência deste Tribunal caminha para não admitir o 
direito de greve aos policiais civis – para os quais não há vedação 
expressa na Constituição –, não poderia permitir, em razão de proibição 
expressa, a greve de policiais militares armados – com invasão e ocupação 
de quartéis e de prédios públicos, depredação e incêndio de veículos, 
interdição de rodovias, entre outros atos de terror e vandalismo.''

Diante das jurisprudências supracitadas, é possível compreender que não viável assegurar o direito de greve aos responsáveis pela segurança pública (leia-se policiais militares), uma vez que a manutenção da ordem pública, bem como a incolumidade das pessoas, precisam ser asseguradas de forma ampla e irrestrita, sob pena de vivermos em estado de total insegurança, beirando a calamidade. Razões pelas quais, entendemos ser ilegal a greve dos policiais. Como bem diz o inciso XVI, do artigo 5° da Carta da República de 88: ''todos podem reunir-se pacificamente, sem armas, em locais abertos ao público... [grifei] Ora, não se pode conceber que policiais, armados, paralisem suas atividades, se reúnam para protestar e que desguarneçam a sociedade. Não há garantias reais de que, em momentos mais acalorados, um confronto venha a surgir, não há garantias, em nenhuma seara, de que os cidadãos estejam seguros em situações como esta.

O que se espera, no caso de Manaus, portanto, é uma postura altiva e ativa do Poder Executivo, a fim de evitar que a sociedade fique refém daqueles que, por ordem legal, devem garantir a paz pública. Não há que se discutir a necessidade de melhorias em soldos, benefícios e condições de trabalho. Os policiais precisam contar com um excelente aparato para que cumpram com seu dever, novamente, não se questiona isto. O que se questiona é que um direito não pode se sobrepor a outro. A proporcionalidade e a razoabilidade devem pautar toda e qualquer decisão que possa afetar, direta ou indiretamente, a população, que, por sinal, arca com todos os custos para manutenção do Estado.

Referências:

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal: Centro Gráfico, 1988

VELLOSO, Carlos Mario da Silva. A greve de policiais militares, Consulex: revista
jurídica, v. 16, n. 363, p. 26-27, mar. 2012


domingo, 13 de abril de 2014

Crime de Bagatela?

Acompanhando algumas notícias do Poder Judiciário, me deparei com uma bastante peculiar: ''O caso do ladrão de galinhas que chegou ao STF''. Parei o que estava fazendo e fui ler. O fato ocorreu no Estado de Minas Gerais quando um galo e uma galinha foram subtraídas de um galinheiro. O valor somado dos animais atinge a casa dos quarenta reais e, pra finalizar a história, foram devolvidos pelo acusado. A Defensoria pública do referido Estado ingressou com pedido de extinção do processo, uma vez que princípio da insignificância havia se mostrado plenamente aplicável.

Por que citei o valor dos bens subtraídos e enfatizei que foram devolvidos? Simples: No Direito pátrio existe o instituto do crime de bagatela, mais conhecido por princípio da insignificância. Conforme explica o glossário do próprio Supremo Tribunal Federal, atual residência do processo, podemos entendê-lo como:

''o princípio da insignificância tem o sentido de excluir ou de afastar a própria tipicidade penal, ou seja, não considera o ato praticado como um crime, por isso, sua aplicação resulta na absolvição do réu e não apenas na diminuição e substituição da pena ou não sua não aplicação. Para ser utilizado, faz-se necessária a presença de certos requisitos, tais como: (a) a mínima ofensividade da conduta do agente, (b) a nenhuma periculosidade social da ação, (c) o reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento e (d) a inexpressividade da lesão jurídica provocada (exemplo: o furto de algo de baixo valor). Sua aplicação decorre no sentido de que o direito penal não se deve ocupar de condutas que produzam resultado cujo desvalor - por não importar em lesão significativa a bens jurídicos relevantes - não represente, por isso mesmo, prejuízo importante, seja ao titular do bem jurídico tutelado, seja à integridade da própria ordem social.''

Com base nas palavras citadas acima, podemos entender que quando a conduta se mostra minimamente ofensiva (furtar uma galinha e um galo do galinheiro), quando o ato não representa periculosidade social (furtar uma galinha e um galo do galinheiro e devolvê-los), quando há reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento (furtar uma galinha e uma galo de um galinheiro e devolvê-los) e quando há a inexpressividade da lesão jurídica provocada, por exemplo, o baixo valor de um bem furtado (Quarenta Reais), aplica-se o princípio da insignificância. 

Cabe ressaltar que nas palavras do próprio STF ''Sua aplicação (princípio da insignificância) decorre no sentido de que o direito penal não se deve ocupar de condutas que produzam resultado cujo desvalor - por não importar em lesão significativa a bens jurídicos relevantes - não represente, por isso mesmo, prejuízo importante, seja ao titular do bem jurídico tutelado, seja à integridade da própria ordem social.'',. Ora, se o referido processo já caminhou por todas as instâncias do Poder Judiciário e não houve a aplicação do princípio em tela, fica a pergunta: O que seria o tal crime de bagatela? No ordenamento jurídico pátrio, encontramos decisões onde se aplicou o princípio da insignificância em montantes bem mais expressivos, conforme a ementa abaixo:

“EMENTA: HABEAS CORPUS. CRIME DE DESCAMINHO (ART. 334 DO CP). TIPICIDADE. INSIGNIFICÂNCIA PENAL DA CONDUTA. TRIBUTO DEVIDO QUE NÃO ULTRAPASSA A SOMA DE R$ 3.067,93 (TRÊS MIL, SESSENTA E SETE REAIS E NOVENTA E TRÊS CENTAVOS). ATIPICIDADE MATERIAL DA CONDUTA. ORDEM CONCEDIDA. 1. O postulado da insignificância opera como vetor interpretativo do tipo penal, que tem o objetivo de excluir da abrangência do Direito Criminal condutas provocadoras de ínfima lesão ao bem jurídico por ele tutelado. Tal forma de interpretação assume contornos de uma válida medida de política criminal, visando, para além de uma desnecessária carceirização, ao descongestionamento de uma Justiça Penal que deve se ocupar apenas das infrações tão lesivas a bens jurídicos dessa ou daquela pessoa quanto aos interesses societários em geral. 2. No caso, a relevância penal é de ser investigada a partir das coordenadas traçadas pela Lei 10.522/02 (objeto de conversão da Medida Provisória 2.176-79). Lei que determina o arquivamento das execuções fiscais cujo valor consolidado for igual ou inferior a R$ 10.000,00 (dez mil reais). Sendo certo que os autos de execução serão reativados somente quando os valores dos débitos inscritos como Dívida Ativa da União pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional ultrapassarem esse valor. (...)5. Não há sentido lógico permitir que alguém seja processado, criminalmente, pela falta de recolhimento de um tributo que nem sequer se tem a certeza de que será cobrado no âmbito administrativo-tributário do Estado. Estado julgador que só é de lançar mão do direito penal para a tutela de bens jurídicos de cuja relevância não se tenha dúvida.''

Com base nas informações acima, é inegável que o princípio da insignificância se aplica ao caso do furto das galinhas (devolvidas). Não há utilidade alguma para o ordenamento jurídico que tal feito permaneça passeando de gabinete em gabinete, de instância em instância, sem solução. Há, sem dúvidas, crimes mais complexos e urgentes esperando anos para serem julgados e, ao menos na humilde interpretação deste que vos escreve, tal princípio foi criado justamente para retirar da já morosa e atribulada justiça brasileira, fatos de pequena relevância e que não apresentem risco para a sociedade. Portanto, espera-se pela aplicação do referido princípio, a fim de tornar mais célere e mais justa nossa justiça.

domingo, 6 de abril de 2014

UPP precisa ir além da pacificação.

São inegáveis os resultados positivos que as Unidades de Polícia Pacificadora levam para as comunidades em que se instalam, mas, será que só a pacificação é a solução? Redução dos tiroteios, retirada de facções criminosas, inserção de serviços essenciais (água, luz, coleta de lixo, saneamento básico) e maiores possibilidades de acesso ao mercado consumidor, estão entre os fatores de maior relevância do projeto. Criado em 2008, a primeira favela a receber uma Unidade de Polícia Pacificadora foi a Santa Marta, localizada na Zona Sul do Rio de Janeiro, no bairro de Botafogo. Ali é possível constatar um modelo mais aproximado do ideal. Além de acesso aos serviços citados acima, a comunidade pôde ver investimentos do Poder Público que ultrapassaram os limites do policiamento ostensivo. De lá para cá, mais trinta e sete morros cariocas foram pacificados, mas já é possível ver sinais de que o modelo está colapsando.

Recentemente, moradores do complexo de favelas da Maré apresentaram ao Secretário de Segurança Pública do Estado do Rio de Janeiro, uma espécie de cartilha contendo seis exigências para que a comunidade não perca ''voz'' no processo decisório. Em matéria publicada hoje (06/04/2014), no portal da BBC, líderes comunitários alegaram o modelo UPP é insustentável e tende para a militarização dos morros cariocas. Essa afirmação é extramente procedente, uma vez que o modelo das Unidades de Polícia Pacificadora é incompleto. Por mais que ele atenda sua demanda mór, ele é insustentável sozinho. O Estado esqueceu de atrelar outras políticas públicas indispensáveis para o progresso dos moradores dos morros cariocas.

Conforme dito anteriormente, as comunidades cariocas puderam ter acesso a serviços essenciais básicos, mas no decorrer dos mais de cinco anos desde a implantação da primeira Unidade, é possível constatar que é preciso ir além da pacificação. O projeto precisa levar para as favelas educação, lazer, saúde, cultura e maiores oportunidades de crescimento pessoal e profissional. Enquanto não for compreendido que se faz necessário haver um elo entre as políticas públicas - segurança precisa vir junto com educação, que precisa vir junto com cultura, que precisa vir junto com lazer, que precisa vir junto com saúde, e assim sucessivamente - dificilmente veremos o progresso real, diga-se de passagem, das famílias de baixa renda.

A criminalidade somente será vencida quando o Estado conseguir prover qualidade de vida e maiores oportunidades. Já está mais do que provada a competência e a existência de espírito empreendedor em muitos moradores dessas comunidades. Cabe ao Poder Público incentivar a criação de mais negócios, educar crianças, profissionalizar jovens e adultos, e se fazer presente cumprindo com o seu papel constitucional, fortalecendo o conceito de cidadania e garantindo o respeito a dignidade da pessoa humana, os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa, erradicar a pobreza e a marginalização, reduzir as desigualdades sociais e construir uma sociedade livre, justa e solidária.

Alexandre Lins


sexta-feira, 4 de abril de 2014

O Direito e os avanços na sociedade.

Como primeira postagem devo frisar que este, e todos os próximos textos são meramente reflexivos, não devendo ser considerados como verdade absoluta.

Cada vez mais é preciso criar consciência de que o Direito deve acompanhar as transformações e perceber os anseios da sociedade. Já no Preâmbulo da Constituição Federal encontramos fundamentação para tal afirmação. O Estado democrático de Direito foi instituído para assegurar os direitos sociais e individuais de forma justa para uma sociedade pluralista, livre de preconceitos. A partir desta pequena introdução, já podemos considerar que o Poder Judiciário deve estar atento aos clamores sociais, sem deixar de lado a autonomia que todo julgador deve ter, não se preocupando com a repercussão de suas decisões, desde que pautadas pelos princípios básicos do Direito.

Nesta semana, em decisão bastante polêmica para muitos, um magistrado autorizou a importação de medicamento contendo uma substância encontrada na cannabis sativa (planta utilizada para a produção da maconha). Cabe aqui fazer uma rápida análise sobre os fatores que fazem a decisão ser tão importante:

1. A criança que necessita do medicamento é portadora de encefalopatia epiléptica que, conforme artigo médico escrito por médicos do Departamento de Neurologia Infantil do Hospital Pequeno Príncipe, em Curitiba, dispõe:

''As encefalopatias epilépticas correspondem a um grupo de doenças em que as funções cognitivas, motoras e sensoriais deterioram progressivamente em decorrência da atividade epiléptica freqüente. A semiologia das crises e os achados eletrencefalográficos dependem da idade de início das crises, podendo alterar-se com o crescimento. As mioclonias estão intimamente relacionadas a diversos tipos de encefalopatias epilépticas e as epilepsias mioclônicas constituem um grupo heterogêneo de doenças, não totalmente compreendido, e em constante evolução.'' ¹

Portanto, de forma bastante leiga é possível destacar do trecho acima que as funções cognitivas, motoras e sensoriais se deterioram a cada crise epilética sofrida pela pessoa. No caso em tela, nenhum medicamento apresentou resultados satisfatório até o uso da droga produzida nos Estados Unidos e que apresenta uma substância da cannabis sativa;

2. A saúde é um direito social garantido constitucionalmente e que deve receber a tutela do Estado, a fim de promover o bem estar dos cidadãos, já citado acima, e prover à pessoa, a possibilidade de ter uma vida digna e plena. Ademais, tal decisão deve pautar-se pelos princípios da dignidade da pessoa humana em que, conforme anotou Immanuel Kant: ''Quando uma coisa tem preço, pode ser substituída por algo equivalente; por outro lado, a coisa que se acha acima de todo preço, e por isso não admite qualquer equivalência, compreende uma dignidade.''², e pelo princípio da razoabilidade, onde deve haver a adequação dos fins aos meios. Ora, se apenas um medicamente surtiu efeito ao tratamento da criança, nada mais justo do que conceder a esta o direito de usá-lo.

Razões pelas quais, por mais impactante que possa parecer se valer de uma substância que, até então, era tida como extremamente maléfica para a sociedade - cabe ressaltar que sou terminantemente contra a legalização de drogas para uso recreativo, por acreditar que todos corroboram diversas mazelas sociais como o tráfico de drogas, outras formas de violência, bem como a dependência química - vejo como uma vitória incontestável para o ordenamento jurídico pátrio, e um avanço significativo para a sociedade, ensejando em maiores investimentos em pesquisa e debate para o uso de medicamentos e terapias alternativas no trato da saúde pública. No entanto, concordo integralmente com a decisão do Juiz Bruno César Bandeira Apolinário, da 3.ª Vara Federal do Distrito Federal, que reforçou a necessidade de prescrição médica e que tal sentença ainda não indica a liberação da comercialização de tais medicamentos, uma vez que ainda se faz necessário maior conhecimento seu funcionamento.

Alexandre Lins

Referências:

1. EPILEPSIA MIOCLÔNICA SEVERA DA INFÂNCIA- Liberalesso PBN (1,2,3), Nascimento LF  (1), Klagenberg KF  (2),  Zeigelboim BS  (2), Jurkiewicz AL (2). Departamento de Neurologia Infantil do Hospital Pequeno Príncipe, Curitiba, PR, Brasil (1). Pós-graduação em Distúrbios da Comunicação da Universidade Tuiuti do Paraná, Curitiba, PR, Brasil (2). Laboratório de EEG Digital do Hospital da Cruz Vermelha Brasileira. Curitiba, PR, Brasil (3).;

2. KANT, Immanuel. Fundamentação da Metafísica dos Costumes e Outros Escritos. Trad. Leopoldo Holzbach. São Paulo: Martin Claret, 2004, p. 58;

3. BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal: Centro Gráfico, 1988.