segunda-feira, 28 de abril de 2014

Greves nas polícias militares. Verificando sua legalidade.

Muito se tem debatido sobre a legalidade dos movimentos paredistas ocorridos no âmbito da segurança pública. Recentemente, a PM da Bahia paralisou suas atividades a fim de angariar elevações no soldo. Durante os três dias de paralisações (entre a terça-feira e a quinta-feira), foram registrados 59 homicídios, 156 carros roubados e 06 furtados. No domingo (27/04/2014), iniciou-se uma movimentação para a paralisação das atividades na PM de Manaus, todavia, ainda não há uma greve de fato. Diante dos dois exemplos citados, se faz necessário fazer uma rápida análise acerca dos preceitos constitucionais sobre a greve, mais especificamente sobre a greve das forças de segurança pública.

Em um artigo escrito para a revista jurídica Consulex, o ex-Ministro do Supremo Tribunal Federal, Carlos Velloso, bem disse:

''homens que portam armas, responsáveis pela preservação da 
ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio (art. 
144, CF), não podem fazer greve.
(…)
É que, homens que portam armas, se não estiverem submetidos à 
disciplina e à hierarquia, viram bandos armados. As armas a eles 
confiadas, para a manutenção da ordem pública e da incolumidade das 
pessoas, passam a ser fonte de insegurança”

No mesmo sentido, o Min. Eros Grau, na relatoria da Rcl 6.568/SP, assentou:

''(...)
3. Doutrina do duplo efeito, segundo Tomás de Aquino, na 
Suma Teológica (II Seção da II Parte, Questão 64, Artigo 7). Não há 
dúvida quanto a serem, os servidores públicos, titulares do direito de 
greve. Porém, tal e qual é lícito matar a outrem em vista do bem 
comum, não será ilícita a recusa do direito de greve a tais e quais 
servidores públicos em benefício do bem comum. Não há mesmo 
dúvida quanto a serem eles titulares do direito de greve. A 
Constituição é, contudo, uma totalidade. Não um conjunto de 
enunciados que se possa ler palavra por palavra, em experiência de 
leitura bem comportada ou esteticamente ordenada. Dela são 
extraídos, pelo intérprete, sentidos normativos, outras coisas que não 
somente textos. A força normativa da Constituição é desprendida da 
totalidade, totalidade normativa, que a Constituição é.
(...)
Atividades das quais 
dependam a manutenção da ordem pública e a segurança 
pública, a administração da Justiça --- onde as carreiras de 
Estado, cujos membros exercem atividades indelegáveis, 
inclusive as de exação tributária --- e a saúde pública não 
estão inseridos no elenco dos servidores alcançados por esse 
direito. Serviços públicos desenvolvidos por grupos armados: 
as atividades desenvolvidas pela polícia civil são análogas, 
para esse efeito, às dos militares, em relação aos quais a 
Constituição expressamente proíbe a greve [art. 142, § 3º, IV]”


Bem disse, ainda, o Ministro Ricardo Lewandowski, no HC 122.148:


''
Ora, se a jurisprudência deste Tribunal caminha para não admitir o 
direito de greve aos policiais civis – para os quais não há vedação 
expressa na Constituição –, não poderia permitir, em razão de proibição 
expressa, a greve de policiais militares armados – com invasão e ocupação 
de quartéis e de prédios públicos, depredação e incêndio de veículos, 
interdição de rodovias, entre outros atos de terror e vandalismo.''

Diante das jurisprudências supracitadas, é possível compreender que não viável assegurar o direito de greve aos responsáveis pela segurança pública (leia-se policiais militares), uma vez que a manutenção da ordem pública, bem como a incolumidade das pessoas, precisam ser asseguradas de forma ampla e irrestrita, sob pena de vivermos em estado de total insegurança, beirando a calamidade. Razões pelas quais, entendemos ser ilegal a greve dos policiais. Como bem diz o inciso XVI, do artigo 5° da Carta da República de 88: ''todos podem reunir-se pacificamente, sem armas, em locais abertos ao público... [grifei] Ora, não se pode conceber que policiais, armados, paralisem suas atividades, se reúnam para protestar e que desguarneçam a sociedade. Não há garantias reais de que, em momentos mais acalorados, um confronto venha a surgir, não há garantias, em nenhuma seara, de que os cidadãos estejam seguros em situações como esta.

O que se espera, no caso de Manaus, portanto, é uma postura altiva e ativa do Poder Executivo, a fim de evitar que a sociedade fique refém daqueles que, por ordem legal, devem garantir a paz pública. Não há que se discutir a necessidade de melhorias em soldos, benefícios e condições de trabalho. Os policiais precisam contar com um excelente aparato para que cumpram com seu dever, novamente, não se questiona isto. O que se questiona é que um direito não pode se sobrepor a outro. A proporcionalidade e a razoabilidade devem pautar toda e qualquer decisão que possa afetar, direta ou indiretamente, a população, que, por sinal, arca com todos os custos para manutenção do Estado.

Referências:

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal: Centro Gráfico, 1988

VELLOSO, Carlos Mario da Silva. A greve de policiais militares, Consulex: revista
jurídica, v. 16, n. 363, p. 26-27, mar. 2012


domingo, 13 de abril de 2014

Crime de Bagatela?

Acompanhando algumas notícias do Poder Judiciário, me deparei com uma bastante peculiar: ''O caso do ladrão de galinhas que chegou ao STF''. Parei o que estava fazendo e fui ler. O fato ocorreu no Estado de Minas Gerais quando um galo e uma galinha foram subtraídas de um galinheiro. O valor somado dos animais atinge a casa dos quarenta reais e, pra finalizar a história, foram devolvidos pelo acusado. A Defensoria pública do referido Estado ingressou com pedido de extinção do processo, uma vez que princípio da insignificância havia se mostrado plenamente aplicável.

Por que citei o valor dos bens subtraídos e enfatizei que foram devolvidos? Simples: No Direito pátrio existe o instituto do crime de bagatela, mais conhecido por princípio da insignificância. Conforme explica o glossário do próprio Supremo Tribunal Federal, atual residência do processo, podemos entendê-lo como:

''o princípio da insignificância tem o sentido de excluir ou de afastar a própria tipicidade penal, ou seja, não considera o ato praticado como um crime, por isso, sua aplicação resulta na absolvição do réu e não apenas na diminuição e substituição da pena ou não sua não aplicação. Para ser utilizado, faz-se necessária a presença de certos requisitos, tais como: (a) a mínima ofensividade da conduta do agente, (b) a nenhuma periculosidade social da ação, (c) o reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento e (d) a inexpressividade da lesão jurídica provocada (exemplo: o furto de algo de baixo valor). Sua aplicação decorre no sentido de que o direito penal não se deve ocupar de condutas que produzam resultado cujo desvalor - por não importar em lesão significativa a bens jurídicos relevantes - não represente, por isso mesmo, prejuízo importante, seja ao titular do bem jurídico tutelado, seja à integridade da própria ordem social.''

Com base nas palavras citadas acima, podemos entender que quando a conduta se mostra minimamente ofensiva (furtar uma galinha e um galo do galinheiro), quando o ato não representa periculosidade social (furtar uma galinha e um galo do galinheiro e devolvê-los), quando há reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento (furtar uma galinha e uma galo de um galinheiro e devolvê-los) e quando há a inexpressividade da lesão jurídica provocada, por exemplo, o baixo valor de um bem furtado (Quarenta Reais), aplica-se o princípio da insignificância. 

Cabe ressaltar que nas palavras do próprio STF ''Sua aplicação (princípio da insignificância) decorre no sentido de que o direito penal não se deve ocupar de condutas que produzam resultado cujo desvalor - por não importar em lesão significativa a bens jurídicos relevantes - não represente, por isso mesmo, prejuízo importante, seja ao titular do bem jurídico tutelado, seja à integridade da própria ordem social.'',. Ora, se o referido processo já caminhou por todas as instâncias do Poder Judiciário e não houve a aplicação do princípio em tela, fica a pergunta: O que seria o tal crime de bagatela? No ordenamento jurídico pátrio, encontramos decisões onde se aplicou o princípio da insignificância em montantes bem mais expressivos, conforme a ementa abaixo:

“EMENTA: HABEAS CORPUS. CRIME DE DESCAMINHO (ART. 334 DO CP). TIPICIDADE. INSIGNIFICÂNCIA PENAL DA CONDUTA. TRIBUTO DEVIDO QUE NÃO ULTRAPASSA A SOMA DE R$ 3.067,93 (TRÊS MIL, SESSENTA E SETE REAIS E NOVENTA E TRÊS CENTAVOS). ATIPICIDADE MATERIAL DA CONDUTA. ORDEM CONCEDIDA. 1. O postulado da insignificância opera como vetor interpretativo do tipo penal, que tem o objetivo de excluir da abrangência do Direito Criminal condutas provocadoras de ínfima lesão ao bem jurídico por ele tutelado. Tal forma de interpretação assume contornos de uma válida medida de política criminal, visando, para além de uma desnecessária carceirização, ao descongestionamento de uma Justiça Penal que deve se ocupar apenas das infrações tão lesivas a bens jurídicos dessa ou daquela pessoa quanto aos interesses societários em geral. 2. No caso, a relevância penal é de ser investigada a partir das coordenadas traçadas pela Lei 10.522/02 (objeto de conversão da Medida Provisória 2.176-79). Lei que determina o arquivamento das execuções fiscais cujo valor consolidado for igual ou inferior a R$ 10.000,00 (dez mil reais). Sendo certo que os autos de execução serão reativados somente quando os valores dos débitos inscritos como Dívida Ativa da União pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional ultrapassarem esse valor. (...)5. Não há sentido lógico permitir que alguém seja processado, criminalmente, pela falta de recolhimento de um tributo que nem sequer se tem a certeza de que será cobrado no âmbito administrativo-tributário do Estado. Estado julgador que só é de lançar mão do direito penal para a tutela de bens jurídicos de cuja relevância não se tenha dúvida.''

Com base nas informações acima, é inegável que o princípio da insignificância se aplica ao caso do furto das galinhas (devolvidas). Não há utilidade alguma para o ordenamento jurídico que tal feito permaneça passeando de gabinete em gabinete, de instância em instância, sem solução. Há, sem dúvidas, crimes mais complexos e urgentes esperando anos para serem julgados e, ao menos na humilde interpretação deste que vos escreve, tal princípio foi criado justamente para retirar da já morosa e atribulada justiça brasileira, fatos de pequena relevância e que não apresentem risco para a sociedade. Portanto, espera-se pela aplicação do referido princípio, a fim de tornar mais célere e mais justa nossa justiça.

domingo, 6 de abril de 2014

UPP precisa ir além da pacificação.

São inegáveis os resultados positivos que as Unidades de Polícia Pacificadora levam para as comunidades em que se instalam, mas, será que só a pacificação é a solução? Redução dos tiroteios, retirada de facções criminosas, inserção de serviços essenciais (água, luz, coleta de lixo, saneamento básico) e maiores possibilidades de acesso ao mercado consumidor, estão entre os fatores de maior relevância do projeto. Criado em 2008, a primeira favela a receber uma Unidade de Polícia Pacificadora foi a Santa Marta, localizada na Zona Sul do Rio de Janeiro, no bairro de Botafogo. Ali é possível constatar um modelo mais aproximado do ideal. Além de acesso aos serviços citados acima, a comunidade pôde ver investimentos do Poder Público que ultrapassaram os limites do policiamento ostensivo. De lá para cá, mais trinta e sete morros cariocas foram pacificados, mas já é possível ver sinais de que o modelo está colapsando.

Recentemente, moradores do complexo de favelas da Maré apresentaram ao Secretário de Segurança Pública do Estado do Rio de Janeiro, uma espécie de cartilha contendo seis exigências para que a comunidade não perca ''voz'' no processo decisório. Em matéria publicada hoje (06/04/2014), no portal da BBC, líderes comunitários alegaram o modelo UPP é insustentável e tende para a militarização dos morros cariocas. Essa afirmação é extramente procedente, uma vez que o modelo das Unidades de Polícia Pacificadora é incompleto. Por mais que ele atenda sua demanda mór, ele é insustentável sozinho. O Estado esqueceu de atrelar outras políticas públicas indispensáveis para o progresso dos moradores dos morros cariocas.

Conforme dito anteriormente, as comunidades cariocas puderam ter acesso a serviços essenciais básicos, mas no decorrer dos mais de cinco anos desde a implantação da primeira Unidade, é possível constatar que é preciso ir além da pacificação. O projeto precisa levar para as favelas educação, lazer, saúde, cultura e maiores oportunidades de crescimento pessoal e profissional. Enquanto não for compreendido que se faz necessário haver um elo entre as políticas públicas - segurança precisa vir junto com educação, que precisa vir junto com cultura, que precisa vir junto com lazer, que precisa vir junto com saúde, e assim sucessivamente - dificilmente veremos o progresso real, diga-se de passagem, das famílias de baixa renda.

A criminalidade somente será vencida quando o Estado conseguir prover qualidade de vida e maiores oportunidades. Já está mais do que provada a competência e a existência de espírito empreendedor em muitos moradores dessas comunidades. Cabe ao Poder Público incentivar a criação de mais negócios, educar crianças, profissionalizar jovens e adultos, e se fazer presente cumprindo com o seu papel constitucional, fortalecendo o conceito de cidadania e garantindo o respeito a dignidade da pessoa humana, os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa, erradicar a pobreza e a marginalização, reduzir as desigualdades sociais e construir uma sociedade livre, justa e solidária.

Alexandre Lins


sexta-feira, 4 de abril de 2014

O Direito e os avanços na sociedade.

Como primeira postagem devo frisar que este, e todos os próximos textos são meramente reflexivos, não devendo ser considerados como verdade absoluta.

Cada vez mais é preciso criar consciência de que o Direito deve acompanhar as transformações e perceber os anseios da sociedade. Já no Preâmbulo da Constituição Federal encontramos fundamentação para tal afirmação. O Estado democrático de Direito foi instituído para assegurar os direitos sociais e individuais de forma justa para uma sociedade pluralista, livre de preconceitos. A partir desta pequena introdução, já podemos considerar que o Poder Judiciário deve estar atento aos clamores sociais, sem deixar de lado a autonomia que todo julgador deve ter, não se preocupando com a repercussão de suas decisões, desde que pautadas pelos princípios básicos do Direito.

Nesta semana, em decisão bastante polêmica para muitos, um magistrado autorizou a importação de medicamento contendo uma substância encontrada na cannabis sativa (planta utilizada para a produção da maconha). Cabe aqui fazer uma rápida análise sobre os fatores que fazem a decisão ser tão importante:

1. A criança que necessita do medicamento é portadora de encefalopatia epiléptica que, conforme artigo médico escrito por médicos do Departamento de Neurologia Infantil do Hospital Pequeno Príncipe, em Curitiba, dispõe:

''As encefalopatias epilépticas correspondem a um grupo de doenças em que as funções cognitivas, motoras e sensoriais deterioram progressivamente em decorrência da atividade epiléptica freqüente. A semiologia das crises e os achados eletrencefalográficos dependem da idade de início das crises, podendo alterar-se com o crescimento. As mioclonias estão intimamente relacionadas a diversos tipos de encefalopatias epilépticas e as epilepsias mioclônicas constituem um grupo heterogêneo de doenças, não totalmente compreendido, e em constante evolução.'' ¹

Portanto, de forma bastante leiga é possível destacar do trecho acima que as funções cognitivas, motoras e sensoriais se deterioram a cada crise epilética sofrida pela pessoa. No caso em tela, nenhum medicamento apresentou resultados satisfatório até o uso da droga produzida nos Estados Unidos e que apresenta uma substância da cannabis sativa;

2. A saúde é um direito social garantido constitucionalmente e que deve receber a tutela do Estado, a fim de promover o bem estar dos cidadãos, já citado acima, e prover à pessoa, a possibilidade de ter uma vida digna e plena. Ademais, tal decisão deve pautar-se pelos princípios da dignidade da pessoa humana em que, conforme anotou Immanuel Kant: ''Quando uma coisa tem preço, pode ser substituída por algo equivalente; por outro lado, a coisa que se acha acima de todo preço, e por isso não admite qualquer equivalência, compreende uma dignidade.''², e pelo princípio da razoabilidade, onde deve haver a adequação dos fins aos meios. Ora, se apenas um medicamente surtiu efeito ao tratamento da criança, nada mais justo do que conceder a esta o direito de usá-lo.

Razões pelas quais, por mais impactante que possa parecer se valer de uma substância que, até então, era tida como extremamente maléfica para a sociedade - cabe ressaltar que sou terminantemente contra a legalização de drogas para uso recreativo, por acreditar que todos corroboram diversas mazelas sociais como o tráfico de drogas, outras formas de violência, bem como a dependência química - vejo como uma vitória incontestável para o ordenamento jurídico pátrio, e um avanço significativo para a sociedade, ensejando em maiores investimentos em pesquisa e debate para o uso de medicamentos e terapias alternativas no trato da saúde pública. No entanto, concordo integralmente com a decisão do Juiz Bruno César Bandeira Apolinário, da 3.ª Vara Federal do Distrito Federal, que reforçou a necessidade de prescrição médica e que tal sentença ainda não indica a liberação da comercialização de tais medicamentos, uma vez que ainda se faz necessário maior conhecimento seu funcionamento.

Alexandre Lins

Referências:

1. EPILEPSIA MIOCLÔNICA SEVERA DA INFÂNCIA- Liberalesso PBN (1,2,3), Nascimento LF  (1), Klagenberg KF  (2),  Zeigelboim BS  (2), Jurkiewicz AL (2). Departamento de Neurologia Infantil do Hospital Pequeno Príncipe, Curitiba, PR, Brasil (1). Pós-graduação em Distúrbios da Comunicação da Universidade Tuiuti do Paraná, Curitiba, PR, Brasil (2). Laboratório de EEG Digital do Hospital da Cruz Vermelha Brasileira. Curitiba, PR, Brasil (3).;

2. KANT, Immanuel. Fundamentação da Metafísica dos Costumes e Outros Escritos. Trad. Leopoldo Holzbach. São Paulo: Martin Claret, 2004, p. 58;

3. BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal: Centro Gráfico, 1988.